
Don Vinagre

Don Vinagre
Me apareceu aqui um tal de “Don Vinagre…” meio rabugento, mas sabe das coisas. Achei que valia abrir espaço pra ele.
Don Vinagre é um senhor de opinião envelhecida em barrica de sarcasmo. Culto, um pouco esnobe, impaciente com modismos e discursos vazios. Ele já viu muita gente posando de profundo com taça de plástico — e não perdoa.
Mas atenção: Don Vinagre não é um velho ranzinza qualquer. Ele tem vocabulário afiado, humor britânico com sotaque latino, e escreve como quem brinda com a navalha. A acidez dele é gastronômica: dá gosto de ler, mesmo quando arde.
Abaixo o primeiro post de Don Vinagre, com acidez controlada, mas sem filtrar…
A Cultura do Gole Raso
Beber vinho, hoje em dia, virou quase um ato performático. Um teatro de taças, onde a naturalidade foi exilada e o paladar virou figurante. Ninguém mais bebe vinho — encena o vinho. E quanto mais palavras complicadas couberem numa legenda, mais sofisticado o sujeito se acha.
É a gourmetização sem alma: tudo é “autor”, tudo é “experiência sensorial”, tudo tem que vir com “storytelling” digno de Netflix. Mas o que tem de rótulo com narrativa de castelo e uva colhida por virgens monges — e gosto de uva-passa deprimida — não cabe num editorial da Decanter.
A verdade é que o vinho virou símbolo de status pra quem nunca soube saborear nem silêncio. Gente que cheira a taça pra ver se alguém está olhando. Que fala “retrogosto” como quem sussurra segredos numa missa em latim. E, claro, posta. Sempre posta.
Ah, os sommeliers de feed… Aqueles que não conseguem tomar um gole sem abrir o celular, como se cada vinho exigisse uma opinião pública e um carrossel de fotos. Dão notas, julgam, comparam — tudo em tempo real, como se o Instagram fosse transforma-lo em um novo guia Parker.
E não para por aí. Criam notas próprias com suas iniciais!? Hahahahaaa. Existe, ainda, o clube dos engomadinhos do paladar: os que acreditam piamente que só vinho caro presta, que rótulo é mais importante que gosto, que Bordeaux, Bourgogne ou Jura é sobrenome nobre. Gente que confunde sofisticação com esnobismo — e termina a noite de bochecha corada, falando alto e esquecendo que o garçom também tem nariz.
Eu, Don Vinagre, não curto beber com essa gente, pois ela me azeda. Eu bebo pra lembrar, não pra parecer.
E se o vinho for simples e bom, melhor ainda. Porque o que importa, no fundo, não é o preço do gole, mas o momento e a companhia do gole.
Don Vinagre